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Friday, October 20, 2006


DISLEXIA E MAU LEITOR: AS DIFERENÇAS

Vicente MARTINS


Para psicólogos, psicólogos e educadores lingüistas um dos gargalos para o diagnostico e tratamento das dificuldades específicas de leitura, no ambiente escolar, reside na compreensão de conceitos básicos e operatórios como dislexia e mau leitor. Como saber a diferença que há entre o conceito de dislexia e dizer que uma criança é mau leitor?
A dislexia é uma síndrome de origem neurológica. Pode ser genética (desenvolvida) ou adquirida (depois de acidente vascular cerebral, a AVC). O disléxico é potencialmente um mau leitor, embora consiga ler. O disléxico lê, mas lê mal, sua leitura é lenta e sofrível. Só um neurologista, a rigor, tem a competência técnica, em equipe multidisciplinar, juntamente com psicólogos e pediatras, afirmar se uma criança é ou não disléxica.
A dislexia é, pois, uma síndrome para atendimento médico, embora não se trate de uma doença. Para os educadores, o que inclui pedagogos, psicopedagogos e profissionais de ensino, dislexia é uma dificuldade de aprendizagem de leitura ou mais precisamente o que entendemos por dislexia é uma dificuldade de aprendizagem de leitura (DAL). Venho denominado de dislectogenia essa dislexia dita pedagógica.
Assim, poderíamos dizer que todo disléxico é realmente um mau leitor, mas nem todo mau leitor é disléxico. Uma má leitura não deve ser uma pista final para o reconhecimento do mau leitor, mas é uma pista preciosa para o diagnóstico do disléxico.
Nos meus estudos, tenho levantado a hipótese de um déficit lingüístico para a dislexia, o que me levaria, ainda , por sua vez, a um tipo de dislexia ou dislectogenia, a pedagógica, responsável, no meu entender, pela maioria dos casos das chamadas dislexias, no meio escolar, resultado da dificuldade que o aluno tem, durante a leitura, de fazer a correspondência grafema-fonema, isto é, de entender que ler é um mistério, porque não consegue a correspondência adequada do grafema ou letra ao fonema ou som da fala.
É nesse caso, o pedagógico, que está, pois, o verdadeiro mau leitor, que deixa de fazer uma boa leitura porque aprendeu a ler mal, porque a metodologia de ensino de leitura(global ou sintético) foi mal aplicado.
Um exemplo bem típico de dislexia pedagógica ou lingüística pode ser percebido partir desse relato de dificuldades do filho feito por sua mãe.
Relata-me a mãe o seguinte: tem um filho de 5 anos. Seu pai é músico . Conta-me que seu filho aprende com muita facilidade músicas até a parte instrumental, mas tem muita dificuldade em apreender a escrever seu próprio. Quando tenta escrever o nome, segundo a mãe, escreve o U virado pra baixo o S ao contrario e sua fala já apresenta também dificuldades de ser compreendida pela própria família.
Ainda no relato, diz a mãe que a criança, antes, falava corretamente e, agora, apresenta dificuldades de fala e também costuma usar as duas mãos para fazer as atividades escolares. Às vezes utiliza a mão esquerda; outras, a direita, e tem muita dificuldade de apreender coisas simples, e sente muita “preguiça” a maioria das vezes para cumprir os deveres escolares. Pelo que lemos do relato, observamos que os sintomas de dificuldades de aprendizagem de lectoescrita (leitura e escrita) são de diversas ordens: distúrbios de rotação grafêmica (U virada pra baixo e S ao contrário) e de fala (incompreensiva).
A dislexia pedagógica acumula uma série de déficits que, claramente, afetam outras habilidades como fala, escrita e escuta. Aos 5 anos de idade, portanto, em processo de alfabetização, os métodos da escola parecem não atender às grandes expectativas dos pais quanto à alfabetização, o acesso ao código escrito, e ao letramento, isto é, aos usos sociais da escrita no cotidiano escolar.
Minha desconfiança, por exemplo, é que o método global, bem a gosto da maioria das escolas brasileiras, tem favorecido no Brasil o aumento de maus leitores.


Vicente Martins é professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú(UVA), de Sobral, Estado do Ceará, Brasil.
Aqui estão alguns sinais de alerta que pais e professores devem de ter em atenção quando suspeitam da existência de problemas nas competências de leitura e escrita nos seus filhos ou alunos:


DURANTE A INFÂNCIA:

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Atraso na aquisição da linguagem. Começou a dizer as primeiras palavras mais tarde do que o habitual e a construir frases mais tardiamente.

Apresentou problemas de linguagem durante o seu desenvolvimento, dificuldades em pronunciar determinados sons, linguagem ‘abebezada’ para além do tempo normal.

Apresentou dificuldades em memorizar e acompanhar canções infantis e a rima das lenga-lengas.

Dificuldade em se aperceber que os sons das palavras podem dividir-se em bocados mais pequenos.

Entre muitos outros sinais (...).

NA IDADE ESCOLAR:
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l

Lentidão na aprendizagem dos mecanismos da leitura e escrita.

Erros por dificuldades na descodificação grafema-fonema. Dificuldade em compreender que as palavras se podem segmentar em sílabas e fonemas.

Bastantes dificuldades na leitura, com a presença constante de erros, inventando palavras ao ler um texto.

A velocidade da leitura é inadequada para a idade. Dificuldades na leitura de pseudopalavras.

Apresenta dificuldades na rima de palavras.

Escrita com muitos erros ortográficos e a qualidade da caligrafia é bastante deficiente.

Salta linhas durante a leitura, na leitura silenciosa consegue-se ouvir o que está a ler, acompanha a linha da leitura com o dedo.

Demora demasiado tempo na realização dos trabalhos de casa (uma hora de trabalho rende 10 minutos).

Utiliza estratégias e truques para não ler. Não revela qualquer prazer pela leitura.

Distrai-se com bastante facilidade perante qualquer estímulo, parecendo que está a "sonhar acordado".

Os resultados escolares não são condizentes com a sua capacidade intelectual.

Melhores resultados nas avaliações orais do que nas escritas.

Não gosta de ir à escola ou de realizar qualquer actividade com ela relacionada.

Confunde a direita e a esquerda.

Apresenta "picos de aprendizagem", nuns dias parece assimilar e compreender os conteúdos curriculares e noutros parece ter esquecido o que tinha aprendido anteriormente.

Apesar das dificuldades na escola revela ser bastante imaginativo e criativo, com um bom raciocínio lógico e abstracto, podendo evidenciar capacidades acima da média em determinadas áreas (desenho, pintura, música, teatro, desporto, etc.).

Entre muitos outros sinais (...).




Para se fazer um diagnóstico correcto da dislexia deve-se verificar inicialmente se na história familiar existem casos de dislexia ou de dificuldades de aprendizagem e se na história desenvolvimental da criança ocorreu um atraso na aquisição da linguagem.

Na leitura notam-se confusões de grafemas cuja correspondência fonética é próxima ou cuja forma é aproximada, bem como a existência de inversões, omissões, adições e substituições de letras e sílabas. Ao nível da frase, existe uma dificuldade nas pausas e no ritmo, bem como revelam uma análise compreensiva da informação lida muito deficitária (muitas dificuldades em compreender o que lêem).

Ao nível da produção escrita a sintomatologia é semelhante, verificando-se a presença de muitos erros ortográficos, grafia disforme e ilegível, como também lacunas na estruturação e sequênciação lógica das ideias, surgindo estas desordenadas.


As principais manifestações da dislexia nas competências de leitura e escrita são:


Um atraso na aquisição das competências da leitura e escrita.

Dificuldades acentuadas ao nível do processamento e consciência fonológica.

Leitura silábica, decifratória, hesitante, sem ritmo, com bastantes correcções e erros de antecipação.

Velocidade de leitura bastante lenta para a idade e para o nível escolar.

Omite ou adiciona letras e sílabas (ex: famosa-fama; casaco-casa; livro-livo; batata-bata; biblioteca/bioteca; ...).

Confusão entre letras, sílabas ou palavras com diferenças subtis de grafia ou de som (a-o; c-o; e-c; f-t; h-n; m-n; v-u; f-v; ch-j; p-t; v-z;…).

Confusão entre letras, sílabas ou palavras com grafia similar, mas com diferente orientação no espaço (b-d; d-p; b-q; d-q; a-e;…).

Inversões parciais ou totais de sílabas ou palavras (ai-ia; per-pré; fla-fal; me-em; sal-las; pla-pal; ra-ar;…).

Substituição de palavras por outras de estrutura similar, porém com significado diferente (saltou-salvou; cubido-bicudo;...).

Substituição de palavras inteiras por outras semanticamente vizinhas.

Problemas na compreensão semântica e na análise compreensiva de textos lidos.

Dificuldades em exprimir as suas ideias e pensamentos em palavras.

Dificuldades na memória auditiva imediata.

Ilegibilidade da escrita: letra rasurada, disforme e irregular, presença de muitos erros ortográficos e dificuldades ao nível da estruturação e sequenciação lógicas das ideias, surgindo estas desordenadas e sem nexo.

Entre muitos outros critérios de diagnóstico (...).

Outros sintomas que podem estar associados são:


Problemas ao nível da dominância lateral (lateralidade difusa, confunde a direita e esquerda, lateralidade cruzada).


Problemas ao nível da motricidade fina e do esquema corporal.


Problemas na percepção visuo-espacial.


Problemas na orientação espacio-temporal.


A escrita pode surgir em espelho.


Etc.


Nota: Não é necessário que estejam presentes todos estes indicadores em simultâneo, para que seja diagnosticada um caso de dislexia. Estes indicadores devem apenas alertar para a possibilidade de um possível caso de dislexia, já que é preciso compreender a razão destes comportamentos.


A dislexia está muitas vezes associada a outros termos e perturbações, como são o caso da Disortografia, Disgrafia e Discalculia:

DISORTOGRAFIA - Perturbação na produção escrita (presença de muitos erros ortográficos) caracterizada por uma dificuldade em escrever correctamente as palavras. É possível haver uma disortografia (erros ao nível da escrita) sem que esteja presente uma dislexia. Contudo, sempre que existe um diagnóstico de dislexia, tem como corolário uma disortografia mais ou menos evidente.

DISGRAFIA - Perturbação de tipo funcional que afecta a qualidade da escrita, sendo caracterizada por uma dificuldade na grafia, no traçado e na forma das letras e palavras, surgindo estas de forma irregular, disforme e rasurada.

DISCALCULIA - Perturbação semelhante à dislexia, sendo relativa a uma dificuldade na simbolização dos números e na capacidade aritmética. A discalculia pode ser definida como uma dificuldade específica da aprendizagem que afecta a normal aquisição das competências aritméticas apesar de uma inteligência normal, estabilidade emocional, oportunidades académicas e motivação.


Segundo vário autores, de entre os quais se destaca Debray, não se pode falar de dislexia (ou melhor, não se pode fazer um diagnóstico definitivo) antes dos 7 anos, ou para ser mais rigoroso antes de pelo menos um ano de escolaridade, pois anteriormente a esta idade, erros similares são banais pela sua frequência.

Quando a uma perturbação da leitura está associado um Q.I. elevado, a criança pode estar ao nível dos seus companheiros durante os primeiros anos escolares, e esta não se manifestar completamente antes do 4º ano de escolaridade, ou mesmo posteriormente.

Para um correcto diagnóstico de uma perturbação da leitura e escrita é indispensável recorrer à avaliação de profissionais experientes neste domínio, nomeadamente psicólogos, neurologistas, pediatras, professores especializados, etc.


CRITÉRIOS DE DIAGNÓSTICO PARA PERTURBAÇÃO DA LEITURA,
SEGUNDO O DSM-IV:

A. O rendimento na leitura, medido através de provas normalizadas de exactidão ou compreensão da leitura, aplicadas individualmente, situa-se substancialmente abaixo do nível esperado para a idade cronológica do sujeito, quociente de inteligência e escolaridade própria para a sua idade.
B. A perturbação do critério A interfere significativamente com o rendimento escolar ou actividade da vida quotidiana que requerem aptidões de leitura.
C. Se estiver presente um défice sensorial, as dificuldade de leitura são excessivas em relação ás que lhe estariam habitualmente associadas.

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